Breves histórias de si: Toni Morrison e cinco mulheres no Nobel da Literatura
O que podemos conhecer das obras de mulheres que já venceram o Nobel; seleção de leituras janeiro-julho/2024.
Em entrevista de Dezembro de 2013, In Her Own Words, a canadense Alice Munro — na altura, a 14ª escritora a vencer o Prémio Nobel de Literatura — tem uma reação divertida e honesta acerca da pergunta (talvez trivial para cada vencedor/a de tal premiação):
Afinal, somam-se, atualmente, 120 as personalidades já laureadas com aquela que é considerada a maior condecoração internacional para quem exerce a profissão de escritor/a, e o impressionante número de apenas 17 mulheres que receberam a distinção até hoje…
Em que pese as tantas controvérsias em torno desse galardão literário (demasiado europeu, masculino, branco, homogéneo culturalmente…), a cada ano o anúncio da figura vencedora é aguardado com entusiasmo e expectativa, pelo que toda vez que o nome de uma mulher vem a lume, é passível considerar que ela veio a “fazer história” — em matéria de impacto, realização e género e ainda que nos limiares dos seus próprios contextos temporais e geográficos.
Em Outubro de 2022, por exemplo, a atribuição a Annie Ernaux pode ter mantido, por um lado, a velha práxis de nomear autores europeus e brancos, e por outro, tornou-a a primeira escritora francesa a alcançar tal honraria em meio a um país de alta tradição literária e que lidera o número de galardoados nessa categoria do Nobel (16, no total). “Como é que uma mulher que só escrevia sobre si mesma podia ganhar o maior prémio literário do mundo?”, questionam os «homens das letras» em França, pelo que conhecer a história pessoal da autora é parte importante da sua arte literária e, logo, do prémio — aliás, assim o deve ser com cada vencedor anual, mas ainda mais evidentemente quando chega-nos daí uma mulher.
Para além da própria Annie Ernaux no verão deste ano, no clube Leia Mulheres Porto já debatemos a ucraniana Svetlana Alexijevich (em janeiro/2023) e as polacas Olga Tokarczuk (março/2022) e Wislawa Szymborska (março/2023)*. Agora, Toni Morrison vem para finalizar o nosso ciclo de leituras de 2023, e também ela fez muita história — e nela permanece há 30 anos — ao ser a primeira mulher negra, e única até então, a vencer o Nobel da Literatura.
Damos a conhecer, aqui, um pouco sobre si e a sua literatura, bem como sobre outras cinco autoras-Nobel, cujos overviews convidam a, a qualquer momento, dar oportunidade e ir ter com as suas obras. ✨
* Escrevemos, também, sobre essas autoras em: O corpo escrito de Annie Ernaux; “Tenho pena de quem vai ler, mas também…”: o impacto de A guerra não tem rosto de mulher; Crime, ela escreveu; e A poesia de um instante.
Autora do mês - Toni Morrison: a primeira mulher negra no Nobel da Literatura
Nasceu no distrito de Ohio em 1931 e faleceu em 2019, em Nova York. Venceu o Nobel da Literatura em 1993, com cerca de 20 anos de carreira na escrita (que continuou prolífica após tal distinção) e uma obra literária e dramática inteiramente dedicada a temas sobre a comunidade afroamericana e à realidade das mulheres negras desse país nos séculos 19 e 20, inspirando-se em situações e personagens reais históricos e à sua volta — exemplo evidente nos fenómenos O olhar mais azul (seu romance de estreia, em que um dos pontos de partida foram as palavras de uma colega na infância) e Beloved (baseado na história real da escrava Margaret Garner). Na literatura, ainda exerceu atividade importante como editora de ficção na Penguin Random House, onde difundiu grandes vozes afroamericanas, como a ativista Angela Davis e os escritores nigerianos Chinua Achebe e Wole Soyinka.
Selma Lagerlöf: uma precursora
Oriunda de um país considerado o berço de muitos contos e lendas populares, a sueca Selma Lagerlöf pincelou as suas histórias com muitos elementos fantásticos, retratando períodos, movimentos e costumes seculares, vindo, assim, a ser detentora de uma vasta produção que vai muito além do seu clássico A Maravilhosa Viagem de Nils Holgersson através da Suécia. Consagrou-se a primeira figura feminina a vencer o Nobel da Literatura, em 1909, bem como tornou-se a primeira mulher a ser membro da comissão do Nobel, na Academia Sueca.
Gabriela Mistral: representatividade latina
A chilena Gabriela Mistral (1889-1957) trabalhava como professora de uma pequena cidade quando o funcionário da ferrovia com quem tinha um apaixonado romance se suicidou. Foi então que ela começou a escrever poesia. Não à toa, amor (incluindo o de mãe), memórias pessoais dolorosas, mágoa e recuperação são temas recorrentes nos seus poemas. Tornou-se a primeira figura latino-americana, e a única mulher latina até os dias atuais, a ser agraciada com o Nobel da Literatura, a ela no ano de 1945. Aprecie a escritora declamando alguns de seus poemas aqui.
Nadine Gordimer: literatura e ativismo antiapartheid
Nadine Gordimer (1923-2014) nasceu na África do Sul e começou a escrever e publicar contos acerca dos acontecimentos e vivências no seu entorno desde a mais tenra idade em revistas juvenis. Foi contemporânea e amiga pessoal do líder sul-africano Nelson Mandela, e na sua literatura em fase adulta, composta por novelas, crónicas e contos, registou e denunciou em peso o período do apartheid, e daí a forte repressão política, a batalha contra o HIV/Aids e demais mazelas sociais do país — todas essas causas pelas quais lutou até os últimos anos da sua vida.
Alice Munro: a «mestre do conto contemporâneo»
Nascida a 1931 (em Whingam, Canadá), foi assim anunciada como vencedora do Nobel em 2013 (o 1º Nobel para um escritor de contos). Escreve desde a adolescência, mas só começou a publicar no fim dos anos 60, após diversas recusas editoriais. Além de escritora, é dona da livraria mais famosa do Canadá (Munro's Books, fundada em 1963). Seus livros foram traduzidos para mais de dez idiomas e inspiraram filmes, como Julieta, de Pedro Almodóvar, inspirado em três contos do livro A fugitiva (Runaway, no original). Munro costuma retratar a atmosfera das cidades pequenas com foco nas relações interpessoais, nos conflitos morais e no impacto que situações corriqueiras podem ter nas vidas das pessoas.
Louise Gluck: viver o íntimo, anunciar o universal
Nascida em Nova York (1943-2023), essa poeta e ensaísta norte-americana foi agraciada com o Nobel em 2020. Sua poesia, muitas vezes descrita como autobiográfica, tem forte carga emocional, com frequência abordando temas relacionados a traumas, vida familiar, infância, morte e mitologia clássica. Pela força com que escreve, em versos, sobre aquilo o que é íntimo, o anúncio da premiação considera que Gluck «torna universal a própria existência individual».
🔗 Confirme a presença no encontro: «A nossa casa é onde está o coração» - Dia 25/11, 15:30, na Livraria Poetria.
Toni Morrison: The Pieces I Am (Toni Morrison: as muitas que eu sou) - documentário que reúne depoimentos de ícones como Angela Davis e Oprah Winfrey para tratar da autora, seu trabalho e do país que demorou tanto para reconhecer seu valor. Disponível na Apple TV.
Puro, um novo livro de Nara Vidal a ser lançado pela Relógio;
A tradicional editora Europa-América regressa ao mercado, com lançamento de Eu matei um cão na Roménia, da escritora peruana Claudia Ulloa Donoso;
CRONOGRAMA DE LEITURAS: JANEIRO-JULHO 2024*
📚 Janeiro: Pachinko (Min Jin Lee, ed. Relógio D'Água) - Coreia do Sul
📚 Fevereiro: A neve e as goiabas (NoViolet Bulawayo, ed. Teorema) - Zimbabué
📚 Março: Temporada de Furacões (Fernanda Melchor, ed. Elsinore) - México
📚 Abril: Marido e outros contos (Lídia Jorge, ed. Dom Quixote) - Portugal
📚 Maio: O coração é um caçador solitário (Carson McCullers, ed. Relógio D'Água) - Estados Unidos
📚 Junho: As malditas (Camila Sosa Villada, ed. BCF) - Argentina
📚 Julho: Onde o lobo espreita (Ayelet Gundar-Goshen, ed. Elsinore) - Israel
* As leituras de agosto-novembro/2024 serão decididas posteriormente, por votação.