Crime, ela escreveu
Em preparação para nosso próximo encontro, que acontece neste sábado, Mabê do Modus Operandis conta pra gente um pouco sobre o universo da literatura crime e sua experiência com nosso livro do mês.
Na segunda entrevista da Newsletter, falamos com a Mabê Bonafé. Escritora, roteirista, publicitária e especialista em redes sociais ela é também responsável, junto com a Carol Moreira, pelo sucesso do Modus Operandi, um podcast sobre crimes reais, serial killers e casos sobrenaturais. Pedimos a Mabê para contar um pouquinho sobre literatura do gênero crime, suas autoras preferidas e sobre o nosso livro do mês, Conduz teu arado sobre os ossos dos mortos, da escritora polonesa Olga Tokarczuk. Autora que recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 2018 (concedido em 2019).
Leia Mulheres Porto: Como você se interessou pela literatura crime? Quais autoras te marcaram?
Mabê Bonafé: Tudo começou com a coleção da Agatha Christie que minha vó tinha na casa que eu cresci. Li todos os livros muito rápido e amava. Depois disso, nunca mais parei, também consumo muito conteúdo de mistério, detetives, etc. Das que me marcaram sobre crimes, as minhas favs são: Agatha Christie, Patricia Highsmith, Mary Shelley, Anne Rice e as mais atuais: Gillian Flynn, Lucy Foley e Olga Tokarczuk.
LMP: E no true crime?
Mabê: Eu já assistia true crime antes de saber que era, porque já via documentários e séries da Discovery+, mas acho que minha paixão aumentou a partir de 2015 com o doc [documentário] Making a Murderer da Netflix, que conta a história de um cara que ficou preso 18 anos por um crime que não cometeu.
LMP: Como a sua experiência de escrever para o gênero se diferencia de outros escritos?
Mabê: Ah, é um livro mais para fãs desse tipo de conteúdo e com alguns casos sendo contados, então é bem diferente do que costumo ler, que é uma única história ou um tema maior tipo serial killers em geral.
LMP: Você já tinha experiência escrevendo roteiro e contos antes do Podcast Modus Operandi. Como essas duas áreas se complementam? E quais as diferenças entre escrever uma narrativa para um podcast da escrita narrativa?
Mabê: Eu já era roteirista bem antes do Modus. Minha escrita de contos é, no geral, ficção. Então são histórias e uma narrativa que eu quero explorar e que só existe dentro da minha cabeça. Já nos roteiros do Modus estamos contando uma história que existe, já aconteceu e tem diversos enredos. No entanto, escrever várias coisas diferentes te dá uma bagagem importante para saber como abordar alguns assuntos, como organizar as informações e também explorar os momentos em que a gente coloca a trilha e dão o tom para o episódio.
LMP: Soube pelo Instagram que você é muito fã da Agatha Christie, que é considerada a rainha do crime. Na sua opinião, porque sua obra continua sendo tão atual, ainda que escrita há um século?
Mabê: Tem muita obra que envelheceu mal, mas isso não é uma realidade dela. Tem vários pontos que eu considero essenciais pra ela ser a autora de ficção mais vendida do mundo: as histórias te pegam desde o início, os personagens são cativantes. Ela consegue criar um ambiente misterioso, cheio de plot twist e ótimos finais. Além disso, ela conseguia traduzir os anseios da época, e fazer críticas à sociedade e aos preconceitos da mesma.
LMP: Além dela, quais autoras você é fã?
Mabê: Além das que citei ali em cima, mais essas: Anne Frank, Emily Brontë, Margaret Atwood, Ursula K Le Guin, Ann Rule, Suzane Collins, Colleen Hoover, Taylor Jenkins Reid, Sally Rooney, Svetlana Aleksiévitch, Maya Angelou, L. M. Montgomery.
LMP: E quais te influenciam na sua escrita?
Mabê: Todas acima, com certeza.
LMP: O gênero crime tem uma presença massiva de autoras e leitoras mulheres. Uma teoria muito difundida a este respeito é de que este gênero traz uma sensação de conforto ou segurança, outra teoria, apresentada pela editora britânica Pan McMillan, e derivada da neurociência, de que as mulheres são mais criativas na resolução de problemas e sentem-se estimuladas pelo quebra cabeça investigativo que essa literatura oferece. Qual a sua visão sobre o tema?
Mabê: Não sei se tenho uma visão parecida com isso, mas acredito que não. Não vejo muito uma relação de gêneros. Nosso público em sua maioria são mulheres e grande parte deles são LGBTQIA+, não à toa grupos marginalizados, que muitas vezes são alvos dos crimes no true crime. Muita gente diz que mulheres gostam de saber para se sentirem seguras e mais alertas caso algo parecido aconteça em suas vidas, mas tem o fator curiosidade também, que é inerente e não tem nada a ver com gênero.
LMP: Além do true crime, o subgênero domestic noir também tem crescido exponencialmente, sobretudo entre mulheres. Ambos os estilos têm em comum uma proximidade com o real, apresentados personagens comuns. Acha que essa tendência veio para ficar? Que outras tendências você vê no gênero?
Mabê: Super, acredito que conquistou muito público e são tramas que lidam com uma mulher mais real, mais próxima da gente, com seus segredos, traumas e mistérios. Eu amo também uma história que não precisa explorar milhões de personagens e lugares, porque ela acontece mais “dentro da gente”. Não vejo nenhuma tendência que já não tenha sido super divulgada, mas imagino que por tudo que estamos passando nesses últimos anos, em termos de pandemia, política, meio ambiente, que isso deve repercutir nos romances que estão por vir. Imagino tantas histórias num estilo distópico, fugindo um pouco do que vivemos, como também mais reais, usando de cenário tudo que está rolando, e apostaria que esse estilo do horror real, uma vibe Black Mirror, deve ficar mais recorrente ainda.
LMP: Nosso livro do mês Conduz teu arado sobre os ossos dos mortos (no Brasil, Sobre os ossos dos mortos) da polonesa Olga Tokarczuk é de certo modo uma subversão do mistério policial, usando do crime para refletir sobre temas como a posição humana na natureza, a mortalidade, e os limites do conhecimento. Como foi sua experiência com o livro?
Mabê: Eu amei muito o livro exatamente por isso. Porque no fim é muito menos sobre o mistério e mais sobre a jornada e a história dos personagens. Achei a forma como ela abordava as discussões muito curiosa, muito peculiar, e foi isso que me fez ficar rendida logo de cara com a narrativa.
LMP: Outro ponto que chama atenção no livro é sua irreverente narradora. Uma senhora de meia idade que não fica calada, tem suas teorias para explicar tudo e possui uma ironia peculiar. O que achou da narradora?
Mabê: Eu amei ela! Tenho consumido alguns conteúdos ultimamente que coloca idosos no protagonismo e tenho achado muito divertido. Por serem experientes e “não terem nada a perder”, os personagens costumam ser muito irônicos e fazer observações muito interessantes sobre os assuntos, quase como se fosse uma reflexão tardia sobre a vida. Isso definitivamente me cativa.
LMP: Houve alguma narradora do gênero que te marcou?
Mabê: Gillian Flynn com certeza, que é uma espécie “de mãe” do domestic noir. Se for para o thriller, eu escolheria a Lucy Fole, que me lembro mais agora.
LMP: Outro ponto muito comentado sobre a relação da mulher com a literatura policial é a possibilidade de devolver poder à mulher, geralmente concebida como vítima. No livro, esse poder é oferecido para uma senhora de meia idade, jogando luz à quem geralmente é esquecido. De que forma outros livros e autoras do gênero te provocaram reflexões dentro do feminismo?
Mabê: Isso é algo que tenho reparado bastante nas últimas leituras que tenho feito, que coloca a mulher como alguém que faz, imperfeita, com todos os problemas e defeitos, mas que é protagonista de sua própria história. Acredito que isso é a maior reflexão mesmo nesse caminho, até porque eu adoro ler clássicos e hoje em dia quando me deparo com livros antigos essa diferença se faz muito presente.
Mabê: Twitter: mabebonafe
IG: ma_b
Modus Operandi: https://www.modusoperandipodcast.com/sobre
O romance de Olga Tokarczuk foi adaptado para o cinema em 2017 pela cineasta, também polonesa, Agnieszka Holland. Com o título Spoor (no polonês Pokot), o filme ganhou o Urso de Prata no Festival de Berlim. Veja abaixo o trailer (legendas em inglês):
O podcast da editora Todavia, Quarta Capa, tem um episódio sobre Conduz o teu Arado, que aproveita a temática do livro para explorar a relação do homem com os animais. Confira aqui.
Veja abaixo a entrevista de Olga Tokarczuk para a fundação Nobel, ou leia sua transcrição (em inglês) aqui.