Ler Virginia W. para além do cânone
Uma newsletter para ler, escutar e assistir (sobre) Virginia Woolf

Pensei muito no que poderia dizer a respeito de Virginia Woolf que já não esteja batido. Mas todos os ensaios em minha mente começavam com o ápice do clichê (e com a expressão “figura incontornável da literatura” sendo repetida algumas dezenas de vezes).
A verdade é que sua sombra sobre a “Literatura” com L maiúsculo é tão grande que sequer sei dizer quais opiniões a seu respeito são minhas e quais me foram passadas. Quase todas elas se referem à sua necessária e importante crítica feminista à condição das mulheres e ao impacto dessa desigualdade de poderes na produção literária, de modo que, envergonhadamente, devo confessar que quase ignoro seu experimentalismo que tanto chocou os seus primeiros críticos.
Talvez tenha se passado tempo suficiente entre o modernismo e o presente, para que seu espírito inovador tenha sido completamente abarcado na normalidade. O fluxo de consciência, hoje, não é nenhuma novidade, aceitamos completamente obras reflexivas com poucos acontecimentos e foco “no atômico”, como Woolf chamava, e assim é difícil olhar com “olhos frescos” para sua prosa. Uma fadiga já pré-determinada por assim dizer. Há, também, uma tendência de associar toda literatura a um único nome, o que, por vezes, irrita. É certo que outras escritoras, talvez menos influentes e privilegiadas, tinham consciência sobre essa desigualdade de gênero e sobre outras desigualdades que, em sua posição de privilégio, Virginia Woolf sequer foi capaz de notar.
Tudo isso é verdade, mas e se considerarmos apenas o texto diante de nós, deixando para trás o peso da “crítica literária”, da expectativa de “ter que apreciar”?
Talvez possamos reencontrar uma nova autora, aquela que se constrói dentro da interpretação individual de cada leitor, cujo significado é sempre novo. Ao longo da história, houve muitas Virgínias, tal como aponta o texto que traduzimos nesta newsletter: uma resenha escrita no ano de 1978 sobre uma então recém-lançada biografia da autora, e conforme revisitamos o passado com um olhar mais fresco, que venham muito mais interpretações dessa “Figura incontornável da Literatura”.
“Ela viveu para ver muita coisa escrita sobre si, e mesmo nos anos em que sua reputação entrou em declínio póstumo, houve um fluxo constante de livros e artigos. Mas o que está acontecendo no momento transcende o mero modismo. Ela está sendo recebida no cânone.” — The New York Review of Books (1978).
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Por Alice Rangel, mediadora do Leia Mulheres Porto
«A única gravação conhecida da voz de Virginia Woolf. Faz parte de uma transmissão de rádio da BBC de 29 de abril de 1937. A palestra foi chamada de "Craftsmanship" e fazia parte de uma série intitulada "Words Fail Me". O texto foi publicado como um ensaio em "A morte da Mariposa e outros ensaios" (1942)».
Playlista inspirada no romance Mrs. Dalloway (1925)
20th Century Man
This is the twentieth century But too much aggravation It's the age of insanity What has become of the green pleasant fields of Jerusalem Ain't got no ambition I'm just disillusioned I'm a twentieth century man but I don't want, I don't want to be here My mama said she can't understand me She can't see my motivation Just give me some security I'm a paranoid schizoid product of the twentieth century You keep all your smart modern writers Give me William Shakespeare You keep all your smart modern painters I'll take Rembrandt, Titian, Da Vinci and Gainsborough
Neste mês, recomendamos duplamente a leitura e a adaptação de As horas (livro de Michael Cunningham / filme de Stephen Daldry), que proporcionam uma experiência imersiva com o nosso livro do mês. 😉
✏️ Curiosamente (ou não), “As horas” também seria o título original de Mrs. Dalloway:
