Laureadas da Lusofonia
Com a concessão do Prêmio Camões de 2021 para Paulina Chiziane – autora do nosso encontro de janeiro –, levantamos algumas escritoras laureadas em premiações lusófonas.
Balada de Amor ao Vento
No nosso primeiro encontro de 2022, discutiremos o romance de estreia de Paulina Chiziane. Confira abaixo a resenha da obra e aproveite o embalo para conhecer outras escritoras moçambicanas.
“Quem já viajou no mundo da mulher? Quem ainda não foi, que vá. Basta dar um golpe profundo, profundo, que do centro vermelho explodirá um fogo mesmo igual à erupção de um vulcão.”
Transcrevo este trecho, já da primeira página, porque Balada de amor ao vento (1990), de Paulina Chiziane, é mesmo isso: um convite para viajar ao mundo da mulher. Não é à toa que foi o primeiro romance escrito por uma moçambicana. Com linguagem simples, extremamente poética e, por vezes, irônica, Chiziane nos conta a saga de Sarnau. Nascida em Mambone, às margens do rio Save, a protagonista, já idosa, recorda os seus tempos de juventude e reflete sobre o amor.
Em Balada de amor ao vento, Chiziane nos leva num mergulho a uma cultura diferente, com reis, rainhas, feitiços e espíritos ancestrais protetores e, ao mesmo tempo, denuncia o machismo entranhado na sociedade moçambicana – e que afeta camponesas e rainhas com a mesma violência. O casamento é comparado à escravatura, e as casas das diferentes rainhas não passam de uma pocilga
“Ao lado da grande figueira ergue-se o palácio onde repousam os corpos do rei e sua rainha. Outros dois palaciozinhos, mesmo ao lado do palácio maior, pertencem às duas rainhas de segunda classe. As outras habitações, dispostas em círculo, em nada se distinguindo das vulgares, pertencem às doze rainhas, da terceira à última categoria. É cidadezinha bela, vista do alto. Mas cidade não. É antes uma enorme pocilga com dezasseis compartimentos onde cada fêmea pare as suas crias. É uma enorme pocilga, sim senhor, onde o povo vai despejar a ração para que o varrasco engorde e segregue mais sémen para fecundar as suas quinze porcas reluzentes de gordura, de ócio, de lixo que os seus braços ociosos não conseguem limpar.”
Paulina Chiziane cresceu nos subúrbios de Maputo, no seio de uma família protestante. Estudou Linguística na Universidade Eduardo Mondlane, sem chegar a concluir o curso e, quando jovem, se dedicou à militância política na Frente de Libertação de Moçambique. Paulina começou a escrever em 1984, inicialmente publicando contos na imprensa. O universo feminino é tema constante dos seus trabalhos literários. Assim que terminei este romance, coloquei outras escritoras moçambicanas na minha lista para 2022, então aproveito e partilho essas ideias de leitura com vocês:
Noêmia de Souza, falecida em 2012, é considerada a “mãe dos poetas moçambicanos”. Suas poesias estão reunidas em Sangue Negro, publicado pela Associação dos Escritores Moçambicanos. Também tem poemas na antologia moçambicana Nunca mais é sábado.
Lilia Momplé venceu o Prêmio José Craveirinha de Literatura em 2011, importante prêmio literário de Moçambique, com o qual Chiziane também foi agraciada, em 2003 Livros: Neighbours, Os olhos da cobra verde e Ninguém matou Suhura (neste, há dois contos premiados da autora: O baile de Celina, vencedor do Prêmio Caine para Escritores de África e O caniço, galardoado com o Prêmio da Novelística João Dias no Concurso Literário do Centenário de Maputo)
Fátima Mendonça escreveu vários ensaios e livros sobre literatura africana, como Literatura moçambicana – as dobras da escrita. Também foi distinguida com o Prêmio José Craveirinha de Literatura em 2016.
Hirondina Joshua faz parte da nova geração de autores moçambicanos e é co-redatora da revista portuguesa InComunidade. Os Ângulos da Casa foi seu livro de estreia. Alguns de seus poemas podem ser lidos aqui e aqui.
Sónia Sultuane, eleita escritora do ano, em Portugal, pelo Círculo dos escritores moçambicanos na Diáspora em 2014, agraciada com o Prêmio femina por Mérito nas Letras, em Portugal (2017) e com o prêmio Afrolic no Brasil em 2019, essa poeta publicou Sonhos, No colo da lua, Roda das Encarnações, entre outros. É possível ler e ouvir alguns de seus poemas aqui e aqui.
Por Juliana Garbayo
Comparo a mulher à terra porque lá é o centro da vida. Da mulher emana a força mágica da criação. Ela é abrigo no período da gestação. É alimento no princípio de todas as vidas. Ela é prazer, calor, conforto de todos os seres humanos na superfície da terra.
Paulina Chiziane - Trecho do texto Eu sou mulher1
Paulina está acostumada ao pioneirismo, sendo a primeira mulher moçambicana a publicar um livro, ainda que sob ameaças de morte, como ela conta no texto Eu sou mulher2: “Trabalhar numa atmosfera de morte é minha forma de resistir. Ninguém tem o direito de interromper os meus sonhos”. Sua premiação com o Camões em 2021 é a consagração de seu pioneirismo. Há 5 anos o prêmio não era atribuído a uma mulher, sendo essa a primeira vez que uma mulher negra e africana é laureada. Como a escritora define, em entrevista ao TSF: “é o reconhecimento dum trabalho de quase metade da minha vida, o reconhecimento da minha identidade, porque a minha literatura foi sempre isso, negociar a minha identidade como africana, como negra, como mulher, com os nossos medos, as nossas tradições, as nossas crenças.” Já para o Diário de Notícias, a autora destaca que o prêmio é “uma surpresa muito boa para mim, para o meu povo, para a minha gente", que em África escreve "o português, aprendido de Portugal. E eu sempre achei que o meu português não merecia tão alto patamar. Estou emocionada", acrescentou.
Mais que reconhecimento internacional, os prêmios literários validam as múltiplas experiências do ser mulher e, em território lusófono, ajudam a consolidar a riqueza e pluralidade do português.
Foi com isso em mente que resolvemos analisar historicamente os prêmios lusófonos, numa perspectiva de gênero. Foram selecionados apenas o primeiro lugar dos prêmios internacionais, sem exigência de publicação em um país específico. A partir dessa seleção, analisamos os dados das premiações: Camões, José Saramago, LeYa, Oceanos e Sonangol, esse último sendo restrito aos países africanos de língua portuguesa.
Revista do Núcleo de Estudos de Literatura Portuguesa e Africana da UFF, Vol. 5, n° 10, Abril de 2013. Disponível em: https://web.archive.org/web/20190809071158/http://www.revistaabril.uff.br/index.php/revistaabril/article/download/114/73
Idem