2023 em retrospectiva: autoras, países e géneros
Confira qual livro eleito o melhor de 2023 no Leia Mulheres Porto e a nossa mensagem de fim de ano!
📚🌍 O que lemos?!
De Janeiro a Dezembro de 2023, foram 11 escritoras, incluindo 4 Nobel de Literatura (Svetlana Alexievich, Wislawa Szymborska, Annie Ernaux e Toni Morrison), passeámos por 10 países (Ucrânia, Estados Unidos da América, Polónia, Portugal, Reino Unido, Brasil, França, Colômbia, Nigéria e Guadalupe) e 5 continentes e/ou territórios geográficos (Europa, América do Norte, América do Sul, África e Caribe).
Circulámos por um espectro ficção vs. realidade, começando pela obra documental A guerra não tem rosto de mulher, passando por narrativas de autoficção (A campânula de vidro, O acontecimento) e história ficcionada (O regresso de Julia Mann a Paraty, Eu, Tituba, bruxa… Negra de Salem), até chegar aos romances ficcionais Mrs Dalloway, A pediatra, Os abismos, A minha irmã é uma serial killer e A nossa casa é onde está o coração, e à poesia, com Instante.
Com este balanço geral, veja a seguir os preferidos do ano na votação generalizada do clube, bem como na perceção individual das mediadoras.
🏆 Resultados
(votação realizada entre 30/11 a 10/12)
MELHOR LIVRO
(Re)leia: Pilar Quintana e a intimidade da tradução - uma entrevista com a tradutora de Pilar Quintana.
Os abismos venceu o Prémio Alfaguara de Romance de 2021 e, de acordo com a ata do juri, trata-se de «um mergulho na escuridão do mundo adulto através do ponto de vista de uma menina, tendo como pano de fundo um mundo feminino de mulheres atadas a correntes das quais não podem ou não sabem como escapar.»
O encontro em torno dessa obra aconteceu em agosto, sendo uma das nossas leituras de verão realizadas nos Jardins do Palácio de Cristal, e conduziu-nos por temas como infância, solidão, maternidade, depressão e suicídio e a forma/caminhos que estes assumem ao serem narrados na perspetiva de uma protagonista infantil.
Pilar Quintana encontra-se entre as mais prestigiadas escritoras contemporâneas da literatura latino-americana. Antes de Os Abismos, o romance A cadela veio a ser o seu primeiro sucesso internacional. Suas obras são ambientadas em diferentes zonas do seu país natal, a Colômbia, e particularmente a cidade de Cáli é considerada a sua «paixão e obsessão literária».
PERSONAGEM EMBLEMÁTICA
Empataram Cecília, de A pediatra, e Tituba, de Eu, Tituba, bruxa… Negra de Salem.
Cláudia, de Os abismos; Esther, de A campânula de vidro; e Korede, de A minha irmã é uma serial killer, também foram lembradas.
👩🏽💻 O voto das mediadoras
Juliana Garbayo
Mrs Dalloway (Virginia Woolf) - Mais do que livros que contam uma boa história, me conquistam os que fazem isso de forma original, inovadora e criativa, e Virginia Woolf é genial neste sentido. Gosto de tudo nesse livro: dos assuntos abordados, dos personagens e da relação entre eles, da forma como o tempo é tratado, da linguagem, da escrita. Por isso, embora tenha sido o único livro do ano que eu já tinha lido, permanece sendo o meu preferido.
Personagem: Para além do Septimus Smith de Mrs Dalloway, a atiradora que matou várias pessoas em A guerra não tem rosto de mulher, mas depois desmoronou ao atirar num potro vai ficar por bastante tempo na minha memória.
Tainá Amado
A guerra não tem rosto de mulher (Svetlana Alexievich) - É curioso “favoritar” um livro tão pesado. Creio que minha escolha vai muito no sentido da experiência de leitura que tive com A guerra não tem rosto de mulher: em cada página há algo doloroso, cruel, ou implacável demais sendo relatado, o que acabou por me impressionar muito. O sentimento que ficou foi o de estar a saber de uma realidade pouco abordada (uma vez que, sim, a história, as artes e a cultura e tudo ao nosso redor voltam os olhos às figuras masculinas): a presença massiva de mulheres na guerra — jovens recém-saídas da escola, donas de casa, mães, trabalhadoras, profissionais altamente qualificadas, mulheres das aldeias, mulheres dos centros urbanos… —, também elas franco-atiradoras, médicas, mecânicas de guerra… contando suas histórias num pós-guerra que pouco as abraçou: receberam medalhas e honrarias, mas passaram a sofrer de doenças crónicas, perderam casa, filhos e parentes, eram mal vistas para um casamento. Tal como referem as críticas, Svetlana Alexijevich realmente parece ter inventado uma forma única de escrever não ficção.
Personagem: Cláudia (filha), de Os Abismos. A experiência de ler uma boa história por meio da narrativa de uma criança foi comovente e provocou um retorno quase que constante às perceções do mundo à minha volta quando também eu tinha menos de 10 anos de idade.
Alice Rangel (mediadora entre julho de 2021-agosto 2023)
O Acontecimento (Annie Ernaux) - Olhar para nossos livros do ano e escolher meu favorito não foi difícil. Enquanto percorria a lista, relembrei as alegrias de leituras tão distintas, porém igualmente fascinantes. De relatos reais que deram voz às mulheres que foram para guerra, à história de ficção que deram voz a mulheres anônimas ou conhecidas. Leituras breves e longas, poéticas e desapaixonadas. Que imaginaram o passado e o presente. Histórias íntimas e pessoais, de pontos de vistas tão diversos quanto as nacionalidades das autoras desta lista, mas que convergiam na sua capacidade de nos oferecer algo único sobre a experiência feminina.
Dentre tantos livros bem sucedidos nesta tarefa, O Acontecimento foi para mim o que se destacou. Sua vulnerabilidade tão honesta quanto lírica torna impossível ficar indiferente a Annie Ernaux. A mesma honestidade que pareceu contagiar a discussão do livro, igualmente memorável, pela vulnerabilidade com que nos abrimos para falar de um tema transversal a todos, ainda que quase nunca falado. A escrita de Annie Ernaux está na intercessão daquilo que é, para mim, o mais caro da literatura. Chegar ao âmago da experiência humana, incitar o diálogo e a reflexão sobre quem somos e como interagimos com o mundo. Algo que, felizmente, tivemos a felicidade de experimentar diversas vezes e de diferentes formas, da poesia ao romance, da não ficção à autoficção.
Até logo, 2024!
Agradecemos a quem nos acompanhou em mais este ano e ciclo de leituras, quer presencialmente nos encontros, quer de modo remoto — caso de quem não teve condições e possibilidades de estar no Porto —, por lerem os títulos selecionados para 2023, partilharem suas impressões e interagirem connosco de outras maneiras.
Este ano foi mesmo especial, pois tivemos a oportunidade de realizar as nossas sessões em diferentes livrarias que acolheram o Leia Mulheres Porto e, além disso, o grupo teve um crescimento notável, com uma média de 12 a 18 participantes em cada encontro. ✨
Do nosso lado, continuaremos a trabalhar bastante para que o clube continue a se expandir, promovendo a sua missão de dar a conhecer, ler e apreciar obras escritas por mulheres das mais diferentes partes do mundo; apostar na diversidade e qualidade literária; e continuar a atrair leitoras/es calorosas/os! A esse propósito, podes descarregar e manter consigo o nosso cronograma de leituras de 2024.
Os nossos votos de um Natal com harmonia e um 2024 positivo e repleto de excelentes leituras!
As organizadoras,
Tainá Amado e Juliana Garbayo