Razões para conhecer NoViolet Bulawayo
Uma grande descoberta da literatura feminina e contemporânea de expressão africana 🇿🇼 ✍🏾
🔓 6 motivos para ler NoViolet Bulawayo
«Fico observando-a se movimentar pela cozinha como um gato, abrindo a geladeira, abrindo armários e gavetas. Limpo a pia, que na verdade já tinha limpado; o que quero mesmo é ver o que ela vai comer. Quando finalmente ela coloca o café da manhã no prato - cinco uvas-passas, uma coisinha redonda e um copo d’água -, eu começo a rir. Ela se vira para mim com um olhar desentendido e eu me contorço de rir. Não consigo evitar, acho que vou morrer de tanto rir. Porque, Senhorita Eu Quero Ser Sexy, veja só: Você tem uma geladeira inchada de comida, então não importa quanta fome você venha a passar, nunca vai conhecer a verdadeira fome.»
Duplamente finalista do Booker Prize
Foi a 1ª escritora negra africana finalista do Booker Prize – premiação que acontece desde 1969 e é uma das mais importantes para livros em língua inglesa. Em 2013, NoViolet se tornou a primeira autora negra da África a integrar a shortlist do prêmio, com We need new names. Em 2022, voltou a ser finalista, desta vez com Glory. É a primeira escritora de origem africana a alcançar esse feito.
Uma escritora emblemática do seu país natal…
É a autora mais traduzida da história moderna do Zimbabwe. Multipremiada e vencedora de importantes bolsas literárias, lecionou ficção e escrita criativa na Cornell University, em Nova Iorque, e na Stanford University.
Seu romance de estreia, We need new names, segundo Mukoma Wa Ngugi, acadêmico queniano-americano e autor de The Rise of the African Novel, não só é um romance “completo em termos de estética e política” como um “divisor de águas”, marcando uma mudança na tradição literária africana.
Protagonistas vibrantes
Ela cria personagens fortes e fora do lugar comum, como Darling, a protagonista de 10 anos de idade de We need new names, e a cabra Destiny, de Glory. Bulawayo diz privilegiar deliberadamente personagens “marginalizados”, que provavelmente seriam esquecidos.
Domínio sobre os temas imigração e desterro
Sua obra ajuda a pensar a diáspora africana e a imigração. Enquanto a protagonista de We need new names deixa o Zimbabwe e vai para a América ainda criança, em Glory, a cabra Destiny volta à terra natal depois de anos no exterior.
Para Violet Kupersmith (autora de Build Your House Around My Body), enquanto o primeiro romance é uma história de “exílio, deslocamento e desagregação”, Glory trata de “raízes, recuperação, regresso à casa” – juntas, as duas histórias “formam uma espécie de ferradura – o caminho da diáspora se curva sobre si mesmo em um arco.”
Zimbabwe em evidência
Sua escrita é um boa oportunidade para conhecer o Zimbabwe, que já se chamou Rodésia, faz fronteira com Zâmbia, Moçambique, África do Sul e Botsuana, tem cerca de 15 milhões de habitantes e 16 idiomas oficiais (sendo o inglês, o xona e o andebele setentrional os mais usados).
No ranking das melhores cenas de abertura e alegorias literárias
O The Guardian cita a cena inicial de We need new names como uma das dez melhores cenas de abertura em livros, junto com clássicos de James Baldwin, Charles Dickens e Kazuo Ishiguro. Glory, por sua vez, aparece como uma das dez maiores alegorias literárias – ao lado da metamorfose de Kafka e da caverna de Platão.
🔓 E mais razões pelas quais o LM Porto recomenda A neve e as goiabas (We need new names), de NoViolet Bulawayo
«E então os nossos próprios filhos nasceram. Seguramos com firmeza as suas certidões de nascimento americanas. Não demos aos nossos filhos os nomes dos nossos pais, os nossos próprios nomes; temíamos que se fizéssemos isso eles não fossem capazes de dizer o próprio nome, os seus amigos e os professores não soubessem como chamá-los. Demos a eles nomes que os ajustavam à América, nomes que não significavam nada para nós: Aaron, Josh, Dana, Corey, Jack, Kathleen. Quando nossos filhos nasceram, não enterramos seus cordões umbilicais debaixo da terra para uni-los àquele chão porque não tínhamos uma terra que fosse nossa.»
Um romance de formação de alta qualidade e multifacetado
A obra é estruturada em duas timelines, acompanhando a infância da protagonista Darling, no Zimbabwe, até a sua travessia para a adolescência, já enquanto uma imigrante nos Estados Unidos. Junto a isso, o título de cada capítulo é o recorte de um episódio ou experiência vivenciada por Darling que, ao fim e ao cabo, reporta de modo preciso as mazelas do seu país natal, por um lado, e os desafios enfrentados em sua própria vida e na dos seus semelhantes na famosa “terra das oportunidades”, por outro.
Assim, é um coming of age que, para além das fortes questões introspectivas que traz, dá espaço a uma série de denúncias e temáticas fraturantes a partir de cenas, cenários e personagens muito crus e bem construídos.
O capítulo que dá nome ao livro (o original, We need new names), por exemplo, narra um momento em que crianças de 10/11 anos tentam praticar o aborto de uma delas e, sendo protagonizado pelo olhar infantil que, em tese, suavizaria a cena em si, mostra-se ainda mais feroz por escancarar o meio aterrador no qual elas estão inseridas.
Identidade
Esse tema, dos mais recorrentes na literatura e tão caro para o bom funcionamento dos romances de formação, é hábil e amplamente explorado por NoViolet Bulawayo, e não somente a partir do arco da sua protagonista. Isto é, a autora também o perscruta por outros vieses que não o da identidade pessoal, mas também a cultural, nacional e até racial.
Acompanhamos, assim, tudo o que torna parte do desenvolvimento de Darling: o seu cotidiano e realidade no Zimbabwe; a ânsia pelo rumo à América e uma adaptação vacilante a esse país, as saudades do seus e da sua terra natal − saudades essas que, a certa altura, mostram-se como um único e frágil elo que ainda é capaz de manter com os de lá −; os percalços de viver em um país com todos os recursos, porém à margem, ainda que, em dado momento, imersa integralmente nos seus hábitos e cultura; e, no fim das contas, o desaparecimento gradual da sua própria “africanidade” (somado à condição de uma eterna estrangeira num país onde provavelmente terá de residir por toda a vida...).
E como um dos pontos mais interessantes ao longo do romance, ainda nessa questão identitária, somos confrontados com aquela noção de a “África como uma coisa só”: é possível vislumbrar, em diferentes momentos, algumas situações e fatores sociais, culturais, políticos em comum dentre a maior parte do continente, ao mesmo tempo em que se chama a atenção para os grandes abismos entre os próprios africanos e as particularidades intrínsecas de cada nação – algo evidente na figura do tio de Darling (personagem cuja construção psicológica é marcante), que, natural de Gana, não compreendia o idioma da esposa e dos seus familiares do Zimbabwe, tampouco partilhava de suas tradições e referências.
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