Os novos rostos da literatura nigeriana feminina
Leia Mulheres... nigerianas! Mais: festivais de cinema pelo Porto e outros destaques.
🟢 O legado de Chimamanda N. Adichie
No dia 11 de novembro de 2020, o portal on-line do Women's Prize for Fiction anunciava que «foi agora atribuído à nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, vencedora da edição de 2007 com o romance Meio sol amarelo, o The Women’s Prize Winner of Winners, isto é, para a obra e a autora que mais se destacaram nos 25 anos da história dessa premiação» – premiação essa criada, inclusive, em resposta à generalizada presença masculina do Man Booker Prize, e que desde então tem distinguido, anualmente, uma obra de ficção de língua inglesa assinada por mulheres de qualquer nacionalidade.
Tal notícia surgia num momento em que, no contexto internacional, a Nigéria já estava a despontar como um país com forte presença no mercado da ficção, em premiações literárias consagradas e alternativas, nas feiras do livro pelo mundo afora e mesmo nas adaptações de obras ao streaming (vide Beasts of no Nation, do escritor Uzodinma Iweala), sendo a sua produção literária de autoria feminina também um dos grandes marcos desse período.
Dentre as literaturas africanas, a desse país há muito que assume uma posição de destaque – consolidando-se, nas palavras de Lola H. Machado (coordenadora do blogue África no es un país), como «uma das mais proeminentes (e traduzidas) do continente» –, e o anúncio daquele reconhecimento a Chimamanda N. Adichie precisamente no ano de 2020 reflete, de certa forma, a importância que a autora e a sua obra já haviam alcançado desde o início do séc. 21, inclusivamente exercendo particular influência na atenção dada à literatura nigeriana, e a de cariz africano em geral, de autoria feminina nos dias de hoje.
⚪ Alguns outros nomes da contemporaneidade
No ano anterior ao “Winner of winners” atribuído a Chimamanda, figuraram na lista de finalistas e pré-finalistas do WPfF dois debut literários: respetivamente, A minha irmã é uma serial killer (Quetzal, 2020), de Oyinkan Braithwaite – a nossa leitura de setembro –, e Freshwater (sem tradução em Portugal; no Brasil, publicado como Água Doce pela ed. Kapulana, em 2019), de Akwaeke Emezi – que identifica-se como autore, tornando-se a 1.ª pessoa não-binária a ser indicada ao prémio (e, segundo os jurados, devidamente questionade se aceitaria ou não a indicação antes de se efetuar o anúncio). Antes, em 2017, Ayòbámi Adébáyò também concorreu, entre as finalistas, com o seu bem recebido romance de estreia Fica comigo (Elsinore, 2018).
Em comum, essas novas vozes têm alcançado imenso sucesso internacional, algo em muito impulsionado pelas nomeações várias que receberam em torno dos seus debut literários. Atualmente, já lançaram outros novos romances, que, em português, encontram-se traduzidos e disponibilizados por algumas editoras brasileiras:
De mencionar, ainda, Helen Oyeyemi (que se considera anglo-nigeriana, “tema” que ressoa sutilmente em suas obras), considerada pela revista literária Granta um nome promissor dessa nova geração. Possui uma produção já numerosa, sendo que em Portugal há três títulos seus publicados: O que é teu não é teu e Rapaz, neve, ave (ambos pela Elsinore) e Mr. Fox (pela Relógio d’Água). Dentre outras autoras de ascendência nigeriana, também merecem reconhecimento Diana Evans – finalista, junto a Oyinkan Braithwaite, no WPfF em 2019, com a obra Pessoas Comuns (lançada pela Quetzal, em 2021) –, e Lesley Nneka Arimah, autora já largamente premiada no estrangeiro, nomeada como uma das “5 under 35 Writers to watch” pela National Book Foundation. Seu único livro publicado em português é o estreante O que acontece quando um homem cai do céu (ed. Kapulana, 2018).
Por fim, embora ainda não tenham sido editadas em Portugal ou no Brasil, convém referir Lola Shoneyin e Chinelo Okparanta como outros dois grandes sucessos editoriais da literatura nigeriana contemporânea no exterior: a primeira divide-se entre a escrita literária e a poesia – «em muito aprofundando-se em temas relacionados às dificuldades da vida doméstica em África» (África no es un país: “Una crónica de la poligamia en Nigeria…") –, e o seu aclamado romance de estreia The Secret Lives of Baba Segi's Wives (2010) veio a ser recentemente anunciado como uma futura série da Netflix (possivelmente, poderá ser encontrada na seção “Da Nigéria para o mundo” desse streaming, dedicada a produções nigerianas).
Já Chinelo Okparanta iniciou a sua carreira como ensaísta e contista em conceituadas revistas, como a Granta e The New Yorker. Publicou, inicialmente, uma coletânea de contos, mas foi o romance Under the Udala Trees (c. 2015 - “Sob as árvores de udalas”, em tradução a ser lançada pela Kapulana) que a levou a ser, à época de seu lançamento, considerada uma das vozes mais originais e criativas da literatura africana jovem (Granta, 2017).
De temas que percorrem da poligamia (masculina) aos direitos de género na Nigéria, e de narrativas que variam do romance histórico à ficção especulativa, há uma rica produção literária nigeriana assinada por mulheres à espera de ser descoberta, lida e comentada nos dias de hoje. Façam as vossas anotações!
📆 O encontro sobre «A minha irmã é uma serial killer», de Oyinkan Braithwaite, terá lugar no dia 30/09, 15:00, na Rota do Chá. Confirme a presença!
—
🔗 Assine a petição pela abertura da Casa-Museo Emilia Pardo Bazán.

📌 A editora Guerra & Paz lança chancela dedicada à ficção internacional feminina: «Com a Euforia queremos transgredir. Vamos apresentar-vos títulos serão estrangeiros, de ficção e de autoras femininas. Queremos trazer thrillers, romantismo, drama, terror às nossas leitoras (...)» [+].
📌 Em Lisboa, a Greta Livraria Feminista enfim abre as portas à sua loja física (na Rua Palmira 66C, Anjos)!
📌 O FOLIO - Festival Literário Internacional de Óbidos de 2023 acontecerá de 12 a 22 de Outubro (com programação prevista para sair em 28.09).
📍 27 Set. - 01 Out. | BEAST 2023 – Festival de cinema da Europa do Leste - Com a Eslovénia como o país em foco, o BEAST acontecerá em cinco espaços diferentes (cinema Batalha, Casa Comum - Cultura U.Porto, Casa das Artes, cinema Trindade e Passos Manuel) e exibirá filmes de outros 22 países do leste europeu.
A sessão de abertura ocorrerá no Batalha Centro de Cinema no dia 27.09, pelas 21:15, com a exibição de três curta-metragens de realizadoras eslovenas: «Granny’s Sexual Life”, de Urska Djukic, reflete sobre as imposições à identidade e ao corpo das mulheres, “Steakhouse”, de Spela Cadez, mantém a toada feminista ao olhar para o discurso patriarcal, e “Sisters”, de Kukla, “destaca a importância dessa comunidade de mulheres — cis e trans — para sobreviver, para existir».
Saiba mais: BEAST 2023: Eslovénia é o país em foco na 6.ª edição | Já se conhece o programa completo do BEAST.
📍 10 - 14 Out. | Queer Porto – Festival Internacional de Cinema Queer - A 9ª edição do Porto (e a 27ª em Lisboa) desse festival, de acordo com o portal Esqrever, «procura fazer justiça a um olhar queer, não polarizado, um olhar além-fronteiras (…) é fortemente marcada pelo cinema feito por mulheres (…) e procura denunciar e subverter um olhar machista e patriarcal.»
No Porto, a noite de abertura acontecerá no Bar of Soap (dia 10.10, 22h), com a exibição da docuficção Tudo o que você podia ser (Brasil, 2023); e a festa de encerramento terá lugar no Maus hábitos (dia 14.10, 00h), com Commitment to Life (Estados Unidos, 2023).
Já o Batalha Centro de Cinema acolherá cerca de 40 sessões, desde a competição oficial ao ciclo de conversas (encontram-se aí documentários como bell hooks: Cultural Criticism & Transformation e Feminism WTF).
Saiba mais sobre o Queer Lisboa e Queer Porto e confira o programa completo.
●●● 5 destaques em lançamentos femininos a não perder (agosto-setembro) ●●●
O anjo do Ocidente à entrada do ferro - em celebração ao centenário da influente poetisa e ex-deputada da República Natália Correia, a Tinta da China edita nova coletânea de poemas de autora (organizada por Pedro Mexia).
Reúnam-se em meu nome - A Antígona publica o segundo volume da série autobiográfica da escritora e ativista americana Maya Angelou, lançado originalmente em 1974 (cinco anos após «Sei porque canta o pássaro na gaiola»).
Glória - Sai lançado pela D. Quixote o segundo romance da premiada autora zimbabuana NoViolet Bulawayo, já finalista do Booker Prize em 2013 (por We need new names / A neve e as goiabas) e voz em ascensão da literatura de expressão africana.
As palavras da noite e Foi assim - A Relógio d’água lança mais dois novos títulos da obra da autora italiana Natalia Ginzburg.